quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Tchau, meu amor!

- Anda mais depressa, porque tem um rato vindo atrás da gente!
Olhei para trás assustada para me certificar o quanto este rato estava perto.
Este foi o momento que bati meus olhos nos teus pela primeira vez. Já era noite, e mesmo estando escuro e eu tendo miopia e astigmatismo vi que não se tratava de um rato, e sim um filhotinho minúsculo de gato amarelinho. Você ainda estava com os olhos escuros e andar cambaleante se esforçando para nos alcançar perto da jardineira da calçada.
Eu me aproximei de você, e me parecia tão pequeno e frágil que não tive coragem de virar as costas e ir embora como faria caso fosse o tal rato. 
Peguei você, e cabia na palma da minha mão. Procurei pelas casas próximas se alguém havia perdido um filhotinho de gato; sem sucesso, resolvi trazê-lo pra minha casa. No caminho você ficou agitado, e suas pequeninhas unhas me espetavam, então o coloquei na bolsa (acho que foi aí que você criou gosto de entrar em bolsas, inclusive quando tinha que ir ao veterinário) e veio miando até chegar a casa, na sua casa! Você estranhou o ambiente de inicio, agiu como se estivesse procurando algo. Arrumei uma caixa de sapatos forrada com uma toalhinha e coloquei você, e instantaneamente você se acalmou, como se ali sempre tivesse sido a sua casa. Demos um pouco de leite e você dormiu tranquilamente até o dia seguinte. Neste momento eu já te amava.
Nunca tivemos gatos aqui em casa, somente um cachorro já há muito falecido, então houve certa resistência em aceitarem ficar com você aqui. Diante disto, mais uma vez fui àquela rua procurar se alguém havia perdido você, mas em vão. 
Os dias foram se passando, e você conquistou todos os moradores da casa. Agora o medo era se você conseguiria sobreviver, pois, segundo a veterinária, você tinha poucos dias de nascido. Você gostava de dormir na palma da minha mão e encostado ao meu peito. Demos leite com maisena no conta-gotas para você, de meia em meia hora. Talvez não tenha sido o método mais adequado, mas não tínhamos experiência nenhuma com gatos e também não tínhamos muitos recursos de informação e material também. Enfim, você cresceu, até mais que a média, pois aonde você ia falavam que você era um gatão! Teve até veterinária que se assustou, pois pelo tamanho achou que era um cachorro, mas era você, o meu Gatinho.
Gatinho, nome que você mesmo escolheu! Nem deu tempo de pensar em algo criativo, você percebeu que nos referíamos a você como gatinho e passou a atender por este nome, e assim ficou. Mais tarde ganhou sobrenome, e ficou: Gatinho das Neves, mas acho que assim não te agradava muito não. Você era o meu Gatinho, Gatito, Tito, menino-moleque.
Eu tenho várias lembranças, como por exemplo, um dia eu numa longa conversa no telefone, e você querendo atenção: miou, me deu pequenas mordidinhas e nada. Como não obteve sucesso, foi no livro mais perto e arrancou a capa sem piedade. Tratava-se do “Casa Grande e Senzala” do Gilberto Freyre, que eu havia pego emprestado na biblioteca da faculdade, e que para a minha situação financeira à época era um livro caríssimo e com poucos exemplares na biblioteca. Não preciso dizer que você conseguiu terminar a ligação telefônica e quase me causou um mini-infarto. Por sorte, consegui colar a capa e o bibliotecário nem reparou o meu serviço de “restauração”, que modéstia a parte, deixou o livro em melhores condições do que estava antes.
Eu tenho verdadeira fobia a baratas. Quando o terraço ainda era aberto você ia muito por lá, então fui te chamar, vejo você descendo pelo telhado de rabinho em pé, quando se aproximou, percebi q você estava com duas baratas na boca e todo satisfeito me trazendo estes presentes. Nisso eu desci as escadas correndo e gritando, e quanto mais eu corria, mais você corria também. Meu pai sentado na sala ficou assustado ao ver aquela cena e pensou que o muro ou o telhado estavam caindo. Até que passei correndo por onde o meu pai estava, e o Gatinho largou as duas baratas, ainda vivas, nos pés do meu pai. Hueuhua, este teve que fazer um sapateado sentado para matar as baratas. E depois do susto riu muito, pois entendeu o que estava acontecendo. Sendo assim, acho que você percebeu que baratas não me agradavam muito, então você passou a me trazer de presentes aquelas tampinhas de ralo de tanque e pia. Quase toda semana você vinha com uma, começou trazendo a do tanque aqui de casa e acredito até que praticou pequenos furtos pela vizinhança para me trazer as tais tampinhas, e com isso eu me tornei receptadora, rs...
Infelizmente, ou felizmente tivemos que impedir seu acesso à rua, pois mesmo castrado, e quase não saindo de casa, você sofreu ameaça de morte de um vizinho. Fechamos todos os acessos, e quando dava seus passeios pelo jardim ou na calçada era sob vigilância. Mas mesmo assim, o que você mais gostava mais era do jardim de casa e de brincar correndo por ela, principalmente caçando minhas pernas e dos meus pais, correndo atrás da bolinha ou arrastando o seu paninho pela casa miando como se estivesse fazendo uma serenata.
Tomei muitas mordidas pedagógicas sem entender porque, mas com o tempo fui ficando mais esperta a esta situação. Eu chamo de mordidas pedagógicas, aquelas q os gatos dão de levinho, e seguram por um tempo, tipo querendo que a gente pare de fazer alguma coisa ou pra mostrar algo que eles não gostam. Enfim, a primeira vez foi com um comercial da Pepsi com a música do Queen – We Will Rock You, que tinha a Beyoncé e outras cantoras numa arena, sempre que entrava este comercial, você vinha caminhando calmamente e me dava estas mordidas. Confesso que demorei um bom tempo pra associar uma coisa à outra e ficava sem entender porque você estava me mordendo. 
Depois foi uma Kombi com propaganda de farmácia, que tocava altíssimo a música gospel do Regis Danese, aquela do “entra na minha casa, entra na minha vida, mexe com minha estrutura, sara todas as feridas...” nessa as mordidas foram um pouco mais fortes e também demorei um pouco a associar uma coisa a outra, mas quando finalmente percebi, até aprendi a cantar a música só pra te provocar, e vê você correndo pela casa tentando me pegar para dar a mordidinha de cala a boca! Depois veio a música da Vanessa da Matta com Ben Harper -“Boa Sorte” que na hora do refrão com a palavra sorry era um sofrimento que só, que você ficava miado junto com o sorry. Lamento muito não ter conseguido gravar isto à época, pois não tinha câmera.  Você tinha um gosto musical muito peculiar, se é que gatos têm gostos musicais, mas com tempo fomos percebendo mais e mais músicas que você reagia de maneira peculiar e engraçada. Especialmente Milton Nascimento e Tim Maia, rs... Ah, Malmsteen também fazia você distribuir mordidinhas e miar escandalosamente, porém prestava atenção nos solos, principalmente a “Prisioner of you love”. <3

A música “Me deixe em paz” na versão com Milton Nascimento tem significado especial. A letra foi especialmente adaptada para você, e com isso eram mordidinhas e miados na hora, só de começar a cantar e você já se levantava miando, hehehhe. Eis o trecho da música:
“Se você não me queria
Não devia me procurar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar”
Que na adaptação virou:
“Se Gatinho não me queria
Não devia me procurar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar”

Também teve adaptação aquele samba que diz:
“O Sol há de brilhar mais uma vez
O amor será eterno novamente”
Que virou:
“Gatinho há de brilhar mais uma vez
O amor será eterno novamente”
Definitivamente, colocar seu nome no meio das letras das músicas era algo que mexia com você. Ou eram mordidinhas ou miados acompanhando na hora! 

Nisso se passaram quase treze anos de muito amor, brincadeiras, companheirismo etc.. E hoje você se foi. Esperou eu chegar à clínica para visitá-lo para se despedir e assim partir. Com isso um pedacinho de mim se foi também. Ainda te fiz carinho no pescoço, como você tanto gostava e você fechou os olhinhos para receber o afago. Depois que você se foi, vi que meu sol não iria brilhar mais uma vez, mas que o meu amor será eterno.

Obrigada por ter trazido felicidade à minha vida e de meus pais. Com certeza você a tornou mais leve.
Tchau meu Gatinho, meu amor! —  sentindo-se de coração partido.



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